segunda-feira, 2 de maio de 2011

”O Rapaz com o Livro em Branco”

12 de Julho de 1973. Faltam 3 dias para o Afonso fazer os seus 9 anos. Afonso Campos é um menino de 8 anos, que tira as melhores notas da turma, apesar de não ter amigos na escola. O pai morreu quando ele tinha 3 anos e tem uma irmã chamada Júlia com 4. Afonso faz parte de uma família paupérrima constituída pela a avó, a mãe e a irmã do Afonso. Esta vive num casebre perto da costa este da Califórnia. Esta família tem uma pequena quinta com cerca de 1 hectar2 onde planta todos os anos batatas, cenouras e outros vegetais imprescindíveis à família Campos.
-Treliimm, treliimm.
-Cala-te por favor! – dizia Afonso na manhã de quinta-feira – Só quero dormir mais um bocado.
Afonso acaba por se levantar e vestiu a roupa: 1º a camisola às riscas azuis e brancas remendada que costuma levar todos os dias, a seguir vestiu as habituais calças castanhas de bombazina com buracos irremediáveis nos joelhos, e por último, calçou as frequentes botas de couro, ruçadas e apertadas do tempo.
Depois Afonso toma o exíguo pequeno-almoço de pão torrado com manteiga e leite branco e frio. De seguida, este apanha o autocarro escolar onde vai sempre de pé, pois ele mora praticamente na última paragem, logo o autocarro já vai cheio. O autocarro é amarelo sujo com listas pretas quase invisíveis do tempo, as portas mal fecham provocando durante todo o caminho uma brisa fresca ou até mesmo às vezes fria de mais. O caminho era cada dia mais longo e interminável. Ao chegar à escola dirigia-se a uma árvore posicionada no canto do Grande Pátio onde escrevia uma história enquanto esperava pelo toque de entrada.
-Triliiiiiimmmmm, triliiiiimmmmm.
Afonso estava sentado no canto superior esquerdo onde nunca ninguém se lembrava dele e onde a ‘stôra’ lhe ligava menos importância.
-Triliiiiiimmmmm, triliiiiimmmmm.
Às 17:20, tocava novamente, mas desta vez era o toque de saída que soava intensamente pelos corredores sombrios e abandonados da escola já velhinha dos anos. Apanhava agora o autocarro escolar das 17:30 onde havia 50% de hipóteses de ir sentado, mas eram raras as vezes em que não ia de pé, eram cerca de 1 em 100. Afonso após sair do autocarro, tinha ainda de percorrer cerca de 20 minutos de caminho por terrenos desertos, onde se viam apenas árvores. Este chegava a casa pelas 6:20.
Agora tinha apenas tempo para fazer os trabalhos de casa, jantar, vestir o pijama e ir para a cama, nada de lazer pois o tempo era escasso.
E esta era a rotina que Afonso seguia todos os dias até ao dia 15 de Julho de 1973, que, se ainda não referi, era dia de lua cheia. Tudo aconteceu como normalmente, mas ao chegar a casa estranhamente tinha uma encomenda acompanhada de uma carta que dizia no sobrescrito:

De: Desconhecido
Endereço: Desconhecido

Para: Afonso Dias Campos
Endereço: 8057, Airway Road, San Diego, - California, United States


Afonso decidiu inspeccionar bem o sobrescrito antes de o abrir, por duas simples razões: 1º Tinha remetente desconhecido e morada desconhecida e 2º era raro receber tanto cartas como encomendas. Após examinar o sobrescrito decidiu então abri-lo para ler a carta que continha no interior. A carta dizia:

Querido Afonso, sei que tens tido uma vida difícil e exaustiva, e é por esta razão que decidi presentear-te com prenda de aniversário que penso que vais gostar e que te vai interessar. Desejo--te um bom aniversário e até para o ano.

Ah, a propósito, dá um título ao que está dentro do embrulho. Espero que gostes da Prenda!!!

Afonso estava numa grande exaltação que era capaz de contagiar qualquer pessoa.
Ele não resistiu à tentação de abrir o embrulho amarelo com bolas pretas e vermelhas refulgentes. Logo pelo embrulho, Afonso viu que devia ser maravilhoso o presente que parecia ter vida própria e querer sair daquele embrulho sufocante. Afonso depressa rasgou e amachucou o papel e o que provocara todo aquele entusiasmo era um livro com apenas uma linha na capa com umas aspas avermelhadas dos dois lados. A capa era de Papel Couchê Brilhante que reluzia ao brilhante Pôr-do-Sol. A lombada do livro era estranha, parecia engelhada do tempo, era como se aquele livro já existisse há anos ou até mesmo há séculos. Afonso decidiu então folheá-lo e reparou então que o livro estava completamente em branco, branco como a neve, branco, branco como as nuvens. Ele folheou-o de novo, esperando encontrar agora palavras, ou até mesmo só traços, ou só pontos, tipo pontos finais, mas nada, o livro estava branco, branquinho, estava até mais branco que as coisas brancas. Parecia acabado de fazer por dentro e velho como a TV a preto e branco.
-Afonso - gritava a mãe da cozinha. - Vem jantar!!!
-Vou já, mãe!!! – gritou Afonso mais contente que nunca.
Afonso comeu rápido e sem dizer uma única palavra, voltou ao quarto rapidamente sem que ninguém desse por isso. Decidiu, então, começar a escrever uma história no novo livro. Afonso retirou uma das suas canetas do estojo e começou a escrever, mas conforme ele escrevia, tudo se ia apagando, como se a caneta não tivesse tinta. Ele tentou, tentou mas nada. Lembrou-se até de deitar o livro no fogo da lareira, pois, aquele livro de nada fazia. O livro apenas aquecida, mas não ardia, era como se estivesse sobre um feitiço de bruxas e feiticeiros.
Estava na hora de deitar e Afonso colocou o livro em cima da cadeira de ferro e de madeira. Vestiu o pijama e deitou-se esperando acordar e viver outro dia. Afonso durante a noite, teve um sonho fantástico como se fosse sem fim e em que o mau nunca mais era vencido.
Pela manhã o despertador toca novamente:
-Triliiiiiimmmmm, triliiiiimmmmm.
Mas hoje Afonso já estava acordado, vestido e cheio de excitação e. Ao calçar as botas, desequilibra-se e cai contra a cadeira, o livro cai e, dentro do livro, vêem-se montes de letras, de palavras, de frases, de parágrafos, de tudo o que se podia imaginar, e tudo a relatar a história que Afonso tinha concebido durante o seu sono.
Afonso cai espantado com tudo o que se passara com ele nos últimos dias. É como se tivesse entrado num conto de fadas mágico e ele fosse o protagonista de todo o conto. Estava contente e espantado, mas ao mesmo tempo, estava receoso.
Voltou a reviver o habitual dia mas, desta vez duma forma diferente, desta vez ele revivera o dia contente.
Chegou a casa, fez os TPCs, jantou, vestiu o pijama e deitou-se, esperando que tornasse a acontecer aquilo que acontecera na noite anterior.
Acordou de manhã e ao folhear o livro, lá estava tudo escrito outra vez. E esta rotina foi-se repetindo todos e todos os dias. Passaram-se meses desde que recebeu o livro, mas este nunca enchia, sempre que se esgotavam as folhas, estas tornavam-se mais finas e multiplicavam-se produzindo mais folhas, e fazendo com que o livro tivesse a mesma espessura.
15 de Setembro de 1973. Afonso regressa à escola depois de umas longas férias de Verão e, adivinhem, o Afonso passou de ano, ele passou do 3º para o 4ºano, mas não com as mesmas notas, pois com aquele conto todo, Afonso andara mais num mundo fictício do que no mundo real. Afonso apercebeu-se que isto não podia continuar e decidiu acabar com tudo. Após matutar muito, quando Afonso chegou a casa, pegou no livro e dirigiu-se ao rio perto de sua casa. Ao chegar ao local, despediu-se e atirou o livro ao rio. O livro flutuou seguindo o leito do rio, até deixar de se ver. Afonso voltou a casa pensando no que realmente tinha feito. Ao entrar no seu quarto, reparou que o livro estava poisado na sua cadeira de ferro e madeira completamente enxuto. Foi então que Afonso descobriu que o livro estava destinado a ser para sempre escrito.
Afonso reviveu novamente a rotina diária que fazia normalmente. Mas um dia, quando acordou de manhã, viu o livro trancado com um cadeado, como se estivesse terminado e seguro para sempre, e tinha escrito na linha o título que lhe tinha dado na sua imaginação. O título do livro era:

Henrique Alves

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