terça-feira, 4 de janeiro de 2011

O rapaz que tinha todo o vazio nos olhos

Capítulo I- Da fantasia


Estava deitado na cama, quando a minha mãe foi lá ter. Sabia disso porque quando ela entra nalgum sítio, faz barulho.
- Mãe – comecei eu – Tu dizes que vieste de um planeta chamado “Terra”. Como é esse tal sítio?
- Não tem nada de especial. É triste, cinzento. As pessoas são arrogantes e não respeitam as diferenças. Há loucura, há maldade. Mas há uma coisa quase tão maravilhosa como os seres que habitam à nossa volta.
- O quê? – perguntei eu, com uma certa ansiedade.
- É o amor. O amor que as pessoas têm umas pelas outras e como isso se reflecte nas acções. Também se pode chamar “compaixão”.
- Mas aqui não há?
- Sim, há – disse ela. – E está mais perto do que tu imaginas.


Matt era um rapaz diferente. Ele era cego. Tinha os olhos brancos como o leite que tomamos ao pequeno-almoço. Ele podia ter sofrido se vivesse no planeta Terra. Mas não, ele vivia numa ilha que ninguém conhecia chamada “CrunshLand”. CrunshLand era uma terra para além da nossa imaginação. Habitavam nela seres fantásticos e plantas bizarras. Mas ele era cego e por isso não podia ver. Mas a mãe dele, que tinha sido uma exploradora, não era cega. Tinha vindo do planeta Terra. E contava-lhe tudo o que os seus olhos não podiam ver. E Matt, apesar de não poder observar e ver as plantas e os animais, ouvia e sentia. E em CrunshLand, ele e a sua mãe tiveram imensas aventuras…
Estavam a caminhar, um caminho sem fim. A mãe prometera-lhe que iam a um sítio especial e magnífico.
-Mãe, falta muito? – protestou Matt.
-Já chegámos. Meu Deus, estou sem palavras.
-Conta! – pediu. – Como é?
- Há uma planície infinita de searas verdes. Só que nelas está reflectido o Sol , por isso são douradas. No ar, paira uma brisa suave, mas algo maravilhosa. Estás a sentir? No ar também há partículas de pó que reflectem o sol causando um efeito magnífico. Há também algum nevoeiro e…
Ela ficou espantada. De repente, o nevoeiro diluiu, ao sabor do vento. E a paisagem ficou totalmente diferente. Uns bocados de solo pairavam no ar, flutuando e, sobre eles, encontravam-se moinhos velhos, mas que ainda funcionavam. Deitavam fumo, mas não era um fumo negro. Tinha as cores do arco-íris. Era como um quadro de um pintor louco, mas com uma imaginação e bondade enorme. E isto não era a coisa mais espantosa que havia em CrunshLand…
A ilha não era muito grande, mas tinha lá todas as estações do ano. Podia estar a nevar num extremo da ilha e, no outro, estar um sol radiante. Ela e o Matt caminharam entre as montanhas cheias de neve, passaram por uma floresta em que as árvores eram negras, e, por fim, chegaram a um parque muito estranho e colorido. Não era bem um parque, mas mais uma espécie de canteiro com flores gigantes. Havia muitas variedades: orquídeas, amores-perfeitos, rosas, tulipas... Mas todas eram do tamanho de árvores, porém, sem perder a delicadeza. Só havia uma orquídea murcha, mas, mesmo assim, ainda se notavam alguns tons de branco.
Ela já tinha feito uma longa descrição deste colorido e maravilhoso cenário. Foi então que reparou que no ar havia umas partículas curiosas - assim uma espécie de poeira – a deslizar no ar, fazendo formas frágeis que se desfaziam e voltavam a unir. Quando observou melhor, viu que nessa poeira havia uma espécie de insectos, só que tinham uma cabeça parecida com a dos humanos. Eram fadas, só que não se notavam muito bem porque eram minúsculas, de modo que se confundiam com a poeira. Eram elas que faziam aquele som angustiante, muito baixinho e idêntico ao barulho de guizos.
-Mãe – disse Matt. – Este som está-me a irritar. Vamos embora?
Dito isto, voltaram para casa, percorrendo aquele grande caminho outra vez. Como o Matt era cego, não sentia, mas aquele lugar era tão vivo e colorido que a cor das flores ainda percorria as pupilas dela, causando um certo cansaço e dor na sua vista.
Quando Matt fez dez anos, a mãe achou que era altura de lhe mostrar o sítio mais assustador e misterioso de CrunchLand. Ela só se tinha atrevido a ir lá duas vezes, sem nunca levar o Matt. Situava-se no outro lado das montanhas que definiam o limite da ilha. (Isso era o que pensavam, porque do outro lado havia esse sítio). Era composto por cavernas e árvores tão negras, que visto de longe parecia uma mancha preta.
Quando chegaram viram pela frente uma estrada, que em tempos tinha sido da cor do carvão, só que agora estava tingida pelo sangue. Na berma da estrada é que se encontravam as tais árvores negras, que balançavam devido a uma estranha brisa no ar. Não era como a suave brisa da Primavera, esta era morta, sombria e carregada de um enorme remorso e angústia.
Apesar daquela atmosfera medonha, os dois encheram-se de coragem e atravessaram a estrada…

Pedro Vidigal

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